Nesta 5ª edição do Gad’ Insights, estudamos os novos espaços que as marcas têm ocupado em nossa vida cotidiana, e quais são as possibilidades e limites de sua atuação em um mundo cada vez mais desconfiado e questionador.
Nosso objetivo, aqui, foi discutir um fenômeno que chamamos de “Overbranding” – o movimento de “brandificação do mundo” por meio do qual as marcas, empoderadas pelos recentes avanços tecnológicos, procuram estender sua atuação para todos os campos da existência humana.
O Overbranding coloca o branding no divã. Quais são os desafios para as marcas nesta era “over”? Até onde vai (ou precisa ir) a chamada “experiência de marca” com consumidores, pessoas e sociedades? Quais são as fronteiras para a construção de um relacionamento saudável com o consumidor?
E como os negócios podem deixar de ser “invasores” e se tornarem convidados para entrar na vida cotidiana?
Nas páginas a seguir, você encontrará reflexões sobre estas e outras perguntas que orbitam nossa sociedade hiperconectada. Esperamos provocar uma nova abordagem na construção e gestão das marcas, que levem em consideração as necessidades do consumidor contemporâneo - e que nos ajudem a construir um horizonte mais sustentável para os negócios e sociedade.
Desejamos a todas e todos uma ótima leitura!
Poucos termos têm gerado tanta repercussão quanto a Inteligência Artificial. O assunto parece onipresente: está sempre nos principais veículos de mídia, nos relatórios das maiores institutos e consultorias, nos grandes eventos de mercado, nas salas de aula.
Para a população, tudo chega de forma um pouco difusa.
Há os entusiastas, que percebem a proximidade que estamos de uma transformação quase geral dos nossos modos de vida.
Mas há também os pessimistas – e estes, ao que parece, estão em maior número.
Uma pesquisa de 2023 feita pela YouGov revelou que 47% dos consumidores a nível global acham a velocidade dos avanços da tecnologia preocupante. Já no Global Risks Report de 2024 – um material produzido pelo Fórum Econômico Mundial a respeito dos grandes temores das sociedades ao redor do mundo –, as IAs generativas aparecem como a segunda maior preocupação global, atrás apenas das mudanças climáticas, e à frente de temas como polarização política e inflação.
Para as marcas, as preocupações com a Inteligência Artificial já surgem efeito em seus processos internos. Iniciativas como as tags de “AI-Made” para evidenciar os conteúdos não-humanos e a instituição do cargo de CAIO (Chief Artificial Intelligence Officer) por marcas como a IBM ou a Exame são uma forma de marcas surfarem na onda, mas sem afastarem um consumidor cada vez mais assustado com o futuro.
Mas o avanço das IAs também está gerando uma nova forma de construir marcas – e isso deve mudar o cenário do branding nos próximos anos.
A IA potencializa o consumidor final e facilita um processo que, pelo menos desde os anos 2000, já estava em andamento: a brandificação do mundo.
É um processo com algumas facetas. Por um lado, com o avanço das tecnologias, todo mundo pode se tornar marca ou produto, pode comercializar ou distribuir, colaborando para o surgimento de “empresas de uma pessoa só”. O tema do branding nunca foi tão disseminado nas redes sociais, explorado, explicado, ensinado.
Em junho de 2024, por ocasião do rebranding de sua marca, a blogueira Boca Rosa lançou uma série de vídeos informativos explicando o processo e a importância de terem todos “um bom branding”.
Por outro lado, os próprios negócios têm lançado mão dos avanços tecnológicos para gerar mais experiências ultrapersonalizadas.
É a ultrapersonalização de massa, que permite que marcas “invadam” cada vez mais espaços da existência humana: a casa e o banheiro, o lazer doméstico, os passeios na rua, o próprio imaginário e a memória.
As IAs, a realidade virtual, a “realidade expandida”, os devices de realidade aumentada, os Apple Vision Pro, etc. ajudam a construir a Era do Overbranding – em que as marcas não só coexistem conosco; elas se tornam a nossa própria vida.
Mas até que ponto estamos prontos para receber as marcas de maneira tão profunda em nosso cotidiano?
1. NAMING RIGHTS
OR WRONGS?
Embora não seja exatamente recente, no último ano, vimos uma grande “invasão” das marcas nos espaços públicos: metrôs, estádios, parques e até no céu. Tudo o que existe na vida pública pode, agora, ser renomeado.
Mas entrar nos espaços públicos significa, também, se apropriar de memórias, histórias e significados que foram construídos ao longo de gerações. O metrô onde nos divertíamos após a faculdade, a arena na qual assistimos à final do campeonato, o parque onde demos o primeiro beijo… Hoje a experiência de marca se mistura às memórias, às paixões, às histórias de vida.
Qual o limite para as marcas no cenário público?
“O comercialismo corrói o comunitarismo. Quanto maior o número de coisas que o dinheiro compra, menor o número de oportunidades para que as pessoas de diferentes estratos sociais se encontrem”
(“O que o dinheiro não compra”, Michael Sandel, 2013)
A compra de naming rights em si não é um fenômeno recente – nem a nível global, nem a nível de Brasil. O fenômeno/conceito surgiu a partir de 1973, quando a Rich Products Corporation patrocinou o estádio dos Buffalo Bills, popular time de futebol americano.
Em 2024, a Mondelez desembolsou R$ 75 milhões por 3 anos de direitos do estádio do Morumbi, do São Paulo Futebol Clube.
A estratégia de comunicação da aquisição do estádio – que se tornou simplesmente “Morumbis”, em homenagem à popular marca de doces – foi construída em torno de um storytelling envolvente, que “abriu a caixa preta” do processo criativo em torno do nome inusitado.
O aumento do fenômeno dos naming rights é um dos sinais da “Camarotização do Mundo”. O termo foi cunhado por Michael Sandel em 2012, mas nunca esteve tão em alta como nos dias de hoje.
A “camarotização” diz respeito à privatização do espaço público e da memória coletiva, em que tudo o que era sociocultural passa a se reger conforme as dinâmicas de mercado.
Com isso, o próprio espaço urbano começa a ser dividido em nichos dominados pelas marcas – os “camarotes” no qual vivem alguns
privilegiados, enquanto outros são relegados para outros espaços ainda não dominados.
É o Overbranding dominando os espaços coletivos – agora transformados em espaços brandificados
O que antes era público agora passa a ter “donos” que transformam as cidades em espaços públicos brandificados.
Mas como entrar nas cidades e na vida das pessoas sem apagar suas memórias e significados?
2. NA TERRA,
NO CÉU, NO AR
Há alguns anos, em 2015, o filósofo Byung-Chul Han falou sobre a emergência de uma “sociedade do cansaço” – uma “enfermidade” que tem acometido as sociedades modernas, fruto da hiperexposição aos estímulos e da incansável busca por performance que são características do nosso tempo.
A superexposição às telas e às marcas criou, em nosso mundo, uma demanda por momentos “off-line”. Recentemente, a gigante da telefonia Vivo chamou atenção ao convocar seus consumidores a “viverem no seu tempo”, chamando ao equilíbrio entre a vida conectada e a “vida real”.
Num mundo em que tudo tenta atrair a nossa atenção, uma pesquisa da YouGov de 2024 revelou que 58% da população brasileira prefere consumir marcas de modo “off-line”, via experiências de retail e Out of Home, por exemplo. Graças ao avanço das tecnologias, possibilidades jamais imaginadas – como a dos painéis 3D de Londres ou os shows de drones nos parques públicos – têm se espalhado pela cena cotidiana, fazendo com que mesmo nossos momentos “ao ar livre” sejam atravessados pelas experiências de marca.
O movimento tem inspirado a emergência de marcas como a Verge Aero, que lançou um software chamado Composer, cujo objetivo é democratizar a criação de shows aéreos com drones. A iniciativa já tem chamado a atenção de gigantes como a Disney, a Netflix e a Lego, que convidaram seus consumidores para uma noite fora de casa para contemplarem o céu – e as marcas que o povoam.
Quando milhares de pessoas se deitam no gramado do Central Park para acompanhar um show de drones ao ar livre, tem-se a sensação de estarem vivendo momentos offline e de contato com a natureza.
Mas, mesmo nesses instantes de escape, não somos totalmente abandonados pelas marcas.
É o Overbranding tentando se conectar com os consumidores em seus próprios momentos de desconexão.
A ambiguidade da “tecnologia que desconecta” é uma tendência na comunicação e experiência de marca.
Mas até que ponto queremos olhar para as marcas estampadas em nossos horizontes?
3. SHARE
OF PRIVACY
Um dos grandes temas da vida contemporânea – sobretudo em tempos high tech – é a privacidade. Afinal, de quem são os meus segredos?
Impulsionadas pelos acessos ao big data e possibilidades crescentes de inovação, as marcas têm feito investidas para entrar em nossas vidas íntimas – a casa, o lazer, nossa relação com a família, etc. E tudo a partir da perene lógica do entretenimento.
Mas até que ponto queremos abrir nossas portas?
A pandemia da Covid-19 fez com que repensássemos nossos meios de socialização. Entre os mais jovens, por exemplo, o próprio conceito de balada – com bares, boates e espaços públicos – tem sido balanceado por outras formas de diversão e entretenimento.
O aumento de jogos de tabuleiros e drinking games é notável nas redes sociais, enquanto startups como a Caza Noz – um co-living no coração de São Paulo – se especializam em oferecer uma experiência doméstica divertida (e acessível) para a Geração Z.
A vivência do isolamento social, somado ao aumento dos preços do lazer, impulsionaram o movimento social do “encasulamento”, ou seja, uma imersão cada vez maior no lar como um espaço de desconexão – do trabalho, do trânsito, das cobranças, do mundo, e também das marcas.
Uma pesquisa da IPA, em 2023, revelou que o consumidor europeu e norte-americano passa, em média, cerca de 18h por dia em casa (um aumento de quase 2h em relação à média pré-pandêmica). No Brasil, a FCI (2022) revelou que 39% dos brasileiros planejam passar mais tempo em casa nos próximos anos.
Share of heart, share of mind, share of attention, share of home…
As marcas estão cada vez mais disputando cada espaço da existência humana. E, à medida em que nos “encasulamos” em nossas casas, surge um novo campo de disputa: o share of privacy.
Algumas marcas já estão fazendo frente a esta urgência pela “invasão” do espaço doméstico. Não se trata mais apenas de uma questão de experiência – como já fazia a Nespresso ao levar a “sensação das cafeterias italianas para a cozinha de sua casa”.
A questão agora é sobre “invadir” não à casa, mas a própria intimidade.
Antropologicamente, o entretenimento é uma das grandes ferramentas de desconexão com a realidade. Das histórias orais contadas ao redor das fogueiras aos grandes blockbusters do cinema hollywoodiano, o entretenimento apresenta ao seu espectador um mundo lúdico, um lugar de escape e de imaginação, uma vida alternativa.
A entrada das marcas no lar por meio do entretenimento é uma brandificação do imaginário e da brincadeira. É, no fim, levar a experiência de marca para as rotinas domésticas de descompressão: a brincadeira com as crianças, as rodas de conversa, o artesanato culinário, etc. Não é apenas a marca em casa; é a marca como um ator social no espaço doméstico.
Mas até que ponto queremos abrir as portas da nossa privacidade?
4. SHOPPERTAINMENT
Quando o assunto é experiência de marca, um dos grandes focos é o “shoppertainment” – uma evolução do retailment, que procura saciar o apetite crescente por experiências de venda personalizadas e lúdicas. Misturar experiência de marca à lógica da brincadeira não é algo novo, mas tem sido potencializado pelas possibilidades tecnológicas, o que revela uma nova investida feita pelo Overbranding no coração e no imaginário do consumidor.
Um estudo da AliExpress de 2023 revelou que 70% dos consumidores europeus demonstram interesse em shoppertainment – desde compras por live streaming até experiências interativas e imersivas como a de “game shopping”. O apelo desta modalidade demonstra como os consumidores precisam ser envolvidos por experiências lúdicas e espetaculares em suas relações com marcas.
A lógica chega a diversos segmentos. A Huda Beauty, por exemplo, lançou uma pop-up store no Covent Garden, em Londres, que simulava uma experiência no espaço sideral para lançar sua nova paleta de sombras. No Brasil, marcas como KitKat e Lego têm investido na abertura de “lojas conceito” que convocam os consumidores a brincarem enquanto montam (e compram) seus produtos.
No entanto, o fenômeno do shopper entertainment não se encerra no retail. O TikTok lançou recentemente a ferramenta Pace, que ajuda marcas a integrarem conteúdo, mídia e social commerce na plataforma. A ferramenta é uma das provas de como as marcas têm sido obrigadas a se tornarem produtoras de conteúdo, à medida que consumidores querem otimizar seu tempo, “descobrindo” produtos enquanto se entretêm com outros assuntos.
A expansão de lojas para as sandbox virtuais também tem crescido ano após ano, à medida que as marcas entram cada vez mais nos domínios do lúdico e do entretenimento. Marcas como Burguer King e Greenpeace chamaram atenção recentemente, com suas campanhas que mesclavam cultura gamer ao marketing de causa.
No Overbranding da experiência de marca, o entretenimento pode ser uma chave de conexão do consumidor que deseja doses extras de dopamina.
Mas como utilizar o poder do entretenimento sem descaracterizar a marca?
5. STRETCH
STRETCH STRECH
Enquanto algumas marcas questionam seu lugar no mundo, outros têm investido na expansão de seus portfólios para segmentos mais improváveis. Mas como esticar a marca sem rasgar sua proposta de valor?
Em um mundo repleto de estímulos, o grande desafio das marcas não se resume a chamar a atenção dos consumidores; a dificuldade, mesmo, está em manter esta atenção pelo maior tempo possível.
E, para isso, elas estão apostando numa nova lógica de expansão ou de se tornarem os chamados “ecossistemas”.
Na última edição do São Paulo Fashion Week, em 2024, as passarelas deram espaço para um desfile da marca de amaciantes Ypê. Com a ajuda da Inteligência Artificial, o estilista Tom Martins criou a coleção Synesthetic Collection Ypê – uma linha de roupas que materializava os perfumes dos amaciantes concentrados da marca brasileira.
Embora tenha surgido como uma ação pontual, o movimento da Ypê é o símbolo de um novo momento de expansão das marcas pelo mundo. Por que, afinal, me limitar aos amaciantes se posso também fazer as roupas que serão amaciadas? A lógica é abraçar a rotina do consumidor por completo: não apenas acompanhá-lo em suas rotinas de limpeza, como também estar com ele em outros contextos (na rua, no trabalho, na escola etc.).
Num movimento similar, a Cacau Show entendeu que o consumo de chocolates está relacionado a comportamentos de lazer; e então expandiu seu portfólio para envolver parques de diversão e hotéis.
A Granado, por sua vez, lançou uma linha de sorvetes baseados nas essências de seus produtos.
Trata-se de um movimento de Overbranding: você usa, veste, come e bebe a mesma marca – tudo como forma de prender a atenção do consumidor por mais tempo.
Por um lado, essa expansão gera uma entrada das marcas no cotidiano das pessoas – o que apresenta oportunidades interessantes de construir um relacionamento com o consumidor. Por outro lado, porém, ela não vem sem desafios: até onde vai a capacidade de expansão de uma marca? Como lidar com um portfólio de produtos e serviços que escapa da sua expertise? Como consolidar estas inovações sem perder seu consumidor “original”?
Os limites desta “expansão não-convencional” ou da criação desses “ecossistemas” de negócio precisam estar claros, e as marcas devem estar cientes de que, na busca por atrair e reter a atenção do consumidor por mais tempo ao se apropriar de sua jornada por inteiro, elas podem acabar por perdê-la. Estas práticas, afinal, distanciam a marca de sua verdadeira essência e podem se tornar uma ameaça a sua proposta de valor.
Até que ponto uma marca pode se esticar para estar presente na vida do consumidor?
6. O FENÔMENO
K-POP
Durante a pandemia, os K-dramas ascenderam de uma produção obscura nos streamings para uma das principais escolhas dos assinantes, com um aumento de visualização global de seis vezes entre 2019 e 2022, de acordo com um estudo da Netflix. A plataforma revelou que 16 séries K-drama alcançaram o TOP10 das produções mais assistidas no Brasil apenas no primeiro semestre de 2023.
No campo da música, o K-pop cresceu 230% globalmente entre 2022 e 2023 – sendo o Brasil um dos líderes no movimento.
Os doramas conquistaram muitos fãs, especialmente no Brasil.
Durante uma entrevista à Globo em 2021, o serviço de streaming Kocowa revelou que 26% dos seus 2,2 milhões de usuários registrados são brasileiros, posicionando o país como o terceiro maior consumidor de K-dramas durante a pandemia. Além de oferecer narrativas envolventes, essas séries televisivas também proporcionam uma visão genuína da cultura, moda e estética coreanas.
O fenômeno sul-coreano é um exemplo do processo de “brandificação da cultura”, por meio do qual as marcas conseguem ingressar no universo passional dos fandoms.
O movimento envolve uma complexa “exportação ideológica” dos valores e costumes do país via cultura – filmes, séries, músicas, culinária e por aí vai.
A força do fenômeno é tão grande que, de acordo com a pesquisadora Min Jong Lee, o turismo para a Coreia do Sul cresceu e tem sido impulsionado, em partes, por mulheres ocidentais na casa dos vinte anos em busca de um amor, idealizado na figura masculina do homem do “K-pop”.
Mas a “entrada” da Coreia do Sul no Brasil não teve início com o K-pop.
Na verdade, as primeiras aparições no mercado brasileiro ocorreram ainda nas décadas de 80’ e 90’, com a chegada de grandes players como LG, Samsung e KIA. Essas marcas colaboraram para a construção de um cenário favorável à cultura sul-coreana, percebida como tecnológica e autêntica.
O crescimento dessas marcas abriu caminho para que a cultura sul-coreana “ocupasse” o imaginário e os afetos da população brasileira. Atualmente, a própria LG é abertamente associada ao K-pop, tendo como embaixadores o grupo BTS – fenômeno musical do país. No dia 10 de março de 2024, em um evento em parceria com a Rádio Disney, no Memorial da América Latina, em São Paulo, a marca promoveu aulas de dança, quizzes sobre a cultura coreana e competições valendo brindes, para divulgar sua nova caixinha de som.
O objetivo dessa movimentação, segundo a head de marketing da LG Electronics, Bárbara Toscano, é criar um vínculo emocional com os “armys”, como são conhecidos os fãs de BTS, assim como com os demais fãs de K-pop.
“O público fã de K-pop no Brasil ainda não é muito contemplado nacionalmente, seja com produtos ou ações voltadas para eles. A LG é uma empresa global de origem coreana, e por isto a aproximação com o este universo aconteceu de forma natural.”, explica.
A ascensão do K-pop e K-dramas tem proporcionado às marcas brasileiras uma oportunidade única de se conectar com um público jovem e dinâmico. A associação com ícones da cultura pop sul-coreana permite que as marcas cultivem uma imagem moderna e global, estabelecendo uma forte ligação emocional com os consumidores. Apesar da distância geográfica entre o Brasil e a Coreia do Sul, o crescimento do K-pop oferece oportunidades para ativações estratégicas. Embora os projetos relacionados ao K-pop possam ter custos elevados, patrocínios de shows e parcerias com influenciadores emergem como estratégias eficazes para gerar interações com o público engajado.
“Como os diretores de marketing não são o target, acabam taxando o K-pop como ‘nicho’, mas se pensássemos assim seria tão nicho quanto o funk, que tem bilhões de views e é um dos maiores gêneros musicais do mundo. O nicho não existe mais. Fãs de K-pop lotam estádios em todo o mundo, e cantores de K-pop são do mesmo patamar que o Justin Bieber”, avalia Fátima Pissarra, diretora-geral da Music2.
Depois da marca, a cultura: o fenômeno sul-coreano ilustra o poder das marcas em conectar diferentes povos.
Mas até que ponto se pode “brandificar” costumes e tradições?
7. O MUNDO
É DAS BETS
Não há como falar de Overbranding sem olhar para as Bets. Com a regularização do setor em dezembro de 2023, mais do que nunca podemos observar a popularidade das casas de apostas e seus esforços para estarem presentes na vida dos consumidores: em uniformes de nossos times do coração, nos intervalos de novelas de sucesso e até mesmo nos monitores disponíveis dentro dos transportes públicos.
Visando aproveitar o atual sucesso e a popularização desse tipo de serviço, as casas de apostas seguem com investimentos pesados em divulgação para atingir cada vez mais pessoas, dominando os espaços de publicidade, em suas mais variadas formas. Em uma estimativa elaborada pelo Itaú, o setor é responsável por gastos em marketing entre 5,8 e 8,8 bilhões de reais por ano.
Seja pelas mudanças trazidas na pandemia ou pelos avanços tecnológicos dos últimos anos, a verdade é que apostar se tornou conveniente. Se antes a prática era nichada (e muitas vezes ilegal), agora é possível apostar sobre os mais diversos temas direto do seu smartphone, de qualquer lugar e a qualquer momento.
Toda a praticidade refletiu diretamente no crescimento do setor.
Com mais de 3 mil casas de apostas, o Brasil se tornou o país líder dentre os que mais apostam, superando o Reino Unido, tido como referência no mercado. De acordo com dados da SimilarWeb, companhia de inteligência e análise de tendências, as apostas esportivas apresentaram um crescimento de awareness de 95% no Brasil, somente entre setembro e novembro de 2023.
O ‘boom’ repentino das Bets alarmou a mídia e o resto do mercado.
Embora tenha se tornado comum, os riscos que as plataformas trazem para os jogadores frequentemente são levantados em discussões sobre o tema. Em uma sociedade cada vez mais ansiosa e carente de mudanças, a ideia de enriquecer facilmente é uma arma psicológica bastante eficiente. Temos visto um movimento em que jogos e apostas deixam de ser tidos apenas como diversão e lazer e passam a se tornar uma opção de investimento financeiro para aqueles que buscam uma maneira repentina de enriquecer – numa tentativa de driblar toda a espera dos “modelos tradicionais”.
Ao passo que as apostas conquistam cada vez mais destaque no mercado e novos players não param de surgir, a preocupação dos outros segmentos aumenta. O segmento das Bets tem sido responsável pelo inflacionamento dos spots de mídia e pela monopolização da publicidade. Este movimento dificulta a entrada de outras empresas nos espaços de divulgação, gerando desafios para sua construção de marca.
Além disso, todo o crescimento do mercado de Bets desperta dúvidas acerca da competição entre as casas de apostas, cada vez mais notável.
Em um mercado repleto de opções similares, que se confundem entre si, como fazer para se sobressair?
E para além de toda essa disputa, as marcas especializadas ainda devem se preocupar com suas reputações perante a mídia e a população. Questões sobre dependência, más práticas e endividamento da população têm sido levantadas por especialistas, que refletem sobre os perigos a longo prazo de um comportamento leviano com as apostas esportivas.
Mas será possível as Bets superarem todas as críticas e questionamentos voltados ao seu papel ético na sociedade?
Existem maneiras pelas quais o mercado de apostas possa influenciar seus jogadores a investirem de forma consciente?
8. HIPERESTIMULAÇÃO
O avanço das tecnologias e novas ferramentas de IA tem gerado preocupações ao redor do mundo – é tema de eventos, congressos, políticas públicas e reuniões estratégicas. Mas enquanto algumas marcas debatem, outras embarcam no momento para convocarem os consumidores a se expressarem num nível sem precedentes.
É o Overbranding hiperestimulando um “consumidor criativo” a se expressar – mesmo quando ele não tem nada a dizer.
O apelo ao “criativo” surge num contexto de desconfiança quanto ao digital, em que o papel e os limites da criatividade humana vêm sendo repensados. Para fazer frente à crescente “digitalização” da sociedade, diversas marcas embarcam no imperativo da autoexpressão – em que todos precisam ser “um pouco” designers, arquitetos, decoradores, etc.
A Bruery, Species X Beer Project e Asbury Park Brewery, por exemplo, lançaram ferramentas de IA para que consumidores desenvolvam suas próprias latas e receitas de cerveja. Já a Volumental desenvolveu uma tecnologia que utiliza inteligência artificial para capturar medidas 3D dos pés em poucos segundos, permitindo que o consumidor construa tênis personalizados.
Mas a hiperestimulação do “consumidor criativo” não se encerra no campo da alta tecnologia. Em dezembro de 2023, a Faber-Castell levou para a CCXP uma espécie de “casa em branco”, com móveis e eletrodomésticos que podiam ser personalizados com as canetas especiais da marca. Já no TikTok, o comportamento de personalizar os carros – com pins, buttons e até maquiagens – vem chamando a atenção e já foram apropriados por marcas como a Fiat com seu modelo “500” e as #500girls.
O fenômeno é, também, o que inspirou a badalada MSCHF, que viralizou com suas “Botas de Astroboy” e “microbolsas” de grife só vistas no microscópio. A ideia de “criar seu próprio estilo” é um dos fundamentos da marca, e baseou por exemplo o Gobstomper – um sneaker preto que revela suas cores conforme o uso e o “desgaste personalizado” do consumidor.
O “imperativo da autoexpressão”, no entanto, revela uma forte pressão exercida sobre o consumidor. Convidar o público a participar das dinâmicas de marca é uma forma de empoderá-lo e envolvê-lo afetivamente, mas quais são os limites e impactos dessa prática?
Até onde se deve convocar o “consumidor criativo”? E o que fazer com as pessoas que não têm o que falar?
A hiperestimulação é uma das grandes vozes do Overbranding.
Mas como as marcas podem dar voz aos seus consumidores de uma maneira inteligente?
9. KIDS
BRANDING
Recentemente, a Prime Energy se tornou cultuada entre adolescentes do mundo todo – sobretudo no Reino Unido. Criada pelos influencers Logan Paul e KSI, a marca faturou mais de US$ 10 milhões nos seus primeiros três meses de lançamento.
Grande parte de seu sucesso veio da apropriação por parte da Geração Z e Alpha, que adotou a bebida como um estandarte de seu estilo de vida: descolado, fragmentado, estético. Só no TikTok, a #PrimeEnergyDrink já soma mais de 200 milhões de views e se tornou um sinônimo de status no verão americano de 2023.
No entanto, todo o fenômeno gerou preocupações quando o consumo da categoria entre o público de 12 a 16 anos chegou a níveis alarmantes e virou tema de saúde pública. Por que, afinal, os adolescentes precisam de tanta cafeína? Foi mesmo adequado investir em marca para o público adolescente?
No contexto atual das marcas, temos visto diversas regras para afastar os mais jovens de determinados segmentos – como o caso dos energéticos, na Europa e EUA. O próprio tema das Bets, tratado anteriormente, tem sido motivo de discussão pela sociedade civil.
É o poder político e social refreando o ímpeto da Era do Overbranding.
O desafio da regulamentação faz com que algumas marcas encontrem novas maneiras de atuar na sociedade. Um dos fenômenos que vem chamando a atenção de especialistas é o das crianças com medo de envelhecer. Dados da WGSN de 2024 indicam que o uso de produtos de skincare por crianças teve um aumento de 21% entre 2022 e 2023 – impulsionado por marcas como a Drunk Elephant, que lançaram máscaras de cílios e hidratantes para o público adolescente.
O fenômeno conhecido como “Sephora Kids” expõe uma necessidade das próprias marcas se deitarem no divã e repensarem quais são os valores que estão transmitindo. Será que é vantajoso para a gigante varejista Sephora se tornar nome de um fenômeno social tão limítrofe sobre o poder de influência das marcas na sociedade?
Do aspecto social, e também cultural, a infância é um território de grande disputa de poder. Todos querem controlar, dominar e se apropriar de uma parcela deste mercado. Seja via regulamentação, ou por meios de negócios cada vez mais sofisticados destinados ao público infantil.
Num mundo em que tudo se torna branding, as marcas passam a abraçar mais aspectos da vida cotidiana e, como consequência, assumem para si papéis sociais cada vez mais relevantes – educativos, até. A “brandificação da infância” – por meio da qual marcas procuram driblar as regulamentações até chegar neste público com tanto potencial afetivo – levanta diversos questionamentos sobre este papel na formação dos consumidores de hoje e de amanhã.
Crianças evitando rugas, adolescentes pilhados de cafeína – no futuro produzido pelo Overbranding, até onde os avanços das marcas impactarão os comportamentos da sociedade?
10. ATHLETE
BRANDING
Em julho de 2024, o mundo voltou seus olhos para a França e para a multidão de atletas de mais de cem países, que com seus corpos testemunhavam sua própria história de vida nas Olimpíadas. Dados da Rede Globo sugerem que pelo menos 140 milhões de pessoas foram impactadas em suas plataformas, considerando TV, Globoplay e ge. Segundo o próprio Comitê Olímpico Internacional, o evento movimentou entre 7 e 11 bilhões de euros.
Durante as Olimpíadas, alguns atletas receberam um boom de popularidade: a ginasta Rebeca Andrade e a judoca Beatriz Souza se tornaram garotas propagandas de marcas de alcance nacional, enquanto a norte-americana Simone Biles viralizava nas redes sociais com seu suposto documentário produzido pela Netflix.
O crescimento da popularidade dos atletas olímpicos, mesmo que seja momentâneo, revelou a força de um novo ator social no campo das celebridades: os “atletas-marcas”, cujo “produto” é sua própria imagem hiperexposta. Em uma matéria da The New York Times, a jornalista Vanessa Friedman revelou como estes “atletas-marcas” se tornaram os novos queridinhos de grifes e marcas de moda. Se antes o espaço esteve nas mãos das celebridades de Hollywood e, depois, das grandes influencers, agora é a vez dos esportistas.
A lógica da aspiração do marketing de influência parece se transformar em uma lógica da inspiração, posto que estes atletas, embora nem sempre ricos, são sempre uma representação de histórias humanas ancestrais: a da superação, da performance, da “volta por cima”. Estas histórias flutuam acima de questões políticas e ideológicas – um dos motivos pelos quais um evento como as Olimpíadas é capaz de unir, quase sempre, gregos e troianos na torcida.
Não à toa, uma das ações mais elogiadas sobre a cobertura das Olimpíadas pelo canal CazéTV foi justamente o mutirão para alavancar os números das redes sociais dos atletas brasileiros em disputas pelo pódio. Para se manterem relevantes na pós-olimpíada, porém, estes novos influenciadores precisam se tornar creators – e, no caminho, consolidarem suas próprias marcas pessoais.
De todo modo, a consolidação dos “atletas-marcas” tem gerado um movimento em que as grandes competições esportivas se tornam verdadeiras arenas nas quais as marcas patrocinadoras disputam espaço e atenção com os esportistas. O esporte, neste caso, é um detalhe; é o caso de figuras como Neymar Jr., afastado dos campos (mas não da mídia), que se tornou, ele próprio, uma marca maior que o clube pelo qual foi contratado.
Na Era do Overbranding, o próprio esporte se torna um pano de fundo para a dança das marcas e celebridades em busca de atenção.
Este movimento “brandifica” emoções, paixões, desejos. Aproveitando o embalo das Olimpíadas, a grife Louis Vuitton concedeu o título de fidèle à skatista Raíssa Leal (a única brasileira a receber a honraria).
A ação permite que a casa francesa incorpore, por meio de uma “atleta-marca”, a iconografia e o imaginário de um esporte que, até pouco tempo atrás, representava uma população marginalizada e rebelde. Na Louis Vuitton, o esporte skate se “gourmetiza” na figura de uma Raíssa Leal vestida de gala; torna-se um símbolo de “atitude” e “personalidade” para os consumidores.
É o Overbranding abraçando a cultura esportiva e gerando, com isso, a entrada de novos players no cenário de marca.
Mas quais os limites destas novas estratégias, e como fica o esporte num mundo em que até esta atividade se brandificou?
Identificar o Overbranding, hoje, não é necessariamente uma tarefa difícil: as marcas estão em toda a parte, e não parece haver escape.
Mas encarar o fenômeno, certamente, é. Nosso trabalho, aqui, partiu da necessidade de alertar os negócios dos perigos que orbitam a ideia da hiperbrandificação. Mais do que nunca, as marcas estão se arriscando e explorando ambientes desconhecidos na busca pelo “a mais” – mais experiência, mais estímulo, mais branding.
No entanto, a ambição por estar em todos os lugares da existência humana não vem sem perigos. Ao longo desse report, pudemos observar um movimento de se expandir para todo e qualquer “gap” presente no cotidiano. As consequências destes movimentos podem ser divididas em pelo menos três níveis.
Em primeiro lugar, o Overbranding representa desafios importantes para as próprias marcas. A tentativa incessante de cativar a atenção e os afetos dos consumidores pode gerar, afinal, uma perda de identidade. Quando uma empresa esgarça suas atividades, corre o risco de acabar em frangalhos. Estar em todo lugar parece bom, mas será mesmo que todas as marcas podem (e precisam) fazê-lo?
Permitir aos consumidores um “descanso” da imagem não seria, em alguns casos, mais proveitoso?
A segunda grande consequência do Overbranding diz respeito aos próprios consumidores – cada vez mais sobressaltados pelo turbilhão de conteúdos, informações e experiências. Às crescentes cobranças da modernidade tardia (no trabalho, em casa, no lazer etc.) somam-se, agora, as cobranças das marcas: “faça algo, seja criativo, não se esqueça de mim, use-se em todos os lugares”. Em um mundo cada vez mais ansioso e sobrecarregado, será mesmo que precisamos promover mais experiências?
Por fim, o terceiro impacto do Overbranding repousa sobre nossa sociedade e nossa própria condição coletiva. As marcas que invadem as ruas acabam invadindo, também, nosso imaginário, nossas memórias, nossas experiências comunitárias. A cultura, os hábitos, as tradições, o transporte, o lazer – tudo passa a ser mediado por marcas que compartimentalizam o espaço público e transformam cidadãos em consumidores. Na sociedade brandificada, onde fica o coletivo, e nas mãos de quem ficam as decisões políticas?
No Gad’, estamos atentos a essas transformações. Nosso compromisso é seguir ao lado de nossos clientes, ajudando-os a navegar nesse novo contexto, construindo marcas fortes, relevantes e capazes de se conectar com seus públicos na medida certa – sem mais, nem menos.